09/10/2011

O Funeral

Tenho uma estima por contos. Tenho uma estima maior pela quem sabe ou sabia escrevê-los.
Esse conto é de 16 de Junho de 2008 com algumas modificações. Eu lembro bem que a ideia era ser um conto de terror e alguém me disse para melhorar a retórica. Talvez um professor, ou foi um conhecido chamado James, talvez Deus...quem sabe.




 O Funeral


Seguia uma aglomeração. As pessoas passando pelas praças, pelas portas, pelo padre, aproximando-se compassadamente ao cemitério. A ritualística do enterro em contradição ao sentimento do fim do Fim. Do não querer o fim. O funeral representa bem a necessidade humana de simbolizar, de publicar à todos e à Deus. A morte, temida, clássica, tão relativizada e conceituada, desprezada e superestimada, amada, assassinada; o Funeral, em sentido amplo, temido por alguns, adorado por outros, mas respeitado por todos.
A Paróquia acabara de criar o programa contra violência doméstica e ali estavam as rosas brancas no esquife, simbologia para todas e todos que partiram desta vida para os braços do Pai em razão do erro agressivo e assassino de seus entes.
E ela esperou todos irem... Talvez não. Decaída, estava lá por não conseguir andar. Seu lenço de bordado inconfundível, molhado com a água e o sal produzidos por seu corpo. Seu corpo... Seu corpo seria confundido por qualquer anjo que observasse de cima das nuvens, convenientemente cor de cinzas, com os cadáveres daquela montanha. Os corvos estariam cometendo erro escusável se dali para o mundo dos mortos levasse a alma daquela garota. Talvez sua estadia mórbida de horas imaginando o cadáver ali enterrado no esquife sem mogno, sem ouro, sem marfim ou seda, revelasse essa vontade. É realmente uma pena que os corvos trabalhem bem.
O padrasto havia matado a mãe com uma facada no pescoço, certeira e única, como que agraciado pelo divino por tentar tão belo golpe contra sua amada. Bêbado e drogado, mas realmente desejando aquilo, em tamanha potência que alguns demônios sentiriam pena, e os restantes se curvariam. Ela abraçou as rosas entre as pernas e sob sua cabeça. A coruja, conhecedora do seu lar, observava uma sombra ainda que na escuridão, ainda que no pouco contraste com a terra lavada pela chuva: "Levante, vamos para casa".
"Bom dia, meu amor". Um beijo. Uma cama. Uma casa. Uma vida? Nada era dela. Estranhou como tudo era alegre e ordeiro, inesperado devido aos últimos eventos, e ao acordar percebeu em sua memória um mês em um mundo que não era seu. "Bom dia, meu amor". "Cheguei". Era a vida perfeita para ela.
Sua irmã lhe fez uma visita e enquanto preparava almoço ela viu que conversava com o homem. Tentou ao longe ler entre os lábios deles o que saía de um para outro, pois nunca haviam demonstrado tamanha proximidade, mas eram os olhos deles que falavam mais. Ela viu alguma coisa, entendeu como sensações, não quis pensar sentimentos. Algumas horas de conversa. Ela foi embora.
Um mês no seu mundo em que tudo era bom, mas no dia seguinte ele não voltou. E sim, ela esperou. Esperou incondicionalmente. Mas não resistiu, não perderia perder aquilo tão fácil. Apanhou uma faca. O céu se abriu para que a lua refletisse em seus olhos, forçando os músculos ciliares, contraídos pelo ódio, relaxarem e deixarem cair a lágrima da vingança. Foi à casa da irmã única. Estava dormindo. Num só golpe desenhou a morte ao pescoço dela. Deixou seu lenço. Devagar, saiu da casa, foi para o cemitério, escondeu-se com a ajuda de sua amiga coruja e por horas esperou.
A aglomeração estava lá. O mesmo ritual, o mesmo símbolo. Esperou todos irem embora. Esperou a noite. Viu as rosas brancas e abriu um sorriso. Não, não havia matado por ciúme. É que ela precisava das rosas. Abraçou-as como abraçaria o amor em objeto, com fé, esperança! Foi quando o céu riu e ele não apareceu. Decaía-se novamente, a chuva queimava seu cabelo e ela pôs a cabeça entre as pernas como da outra vez. Por Deus, era a mesma vez. "Levante, vamos para casa", a irmã a ajudava a levantar.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Abraçou-as "objetivando" o amor, com fé, esperança!

    [Só reforçando o sentido da palavra, rs]

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  3. você sabe que essa foi pra você haha

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