Esse conto é de 16 de Junho de 2008 com algumas modificações. Eu lembro bem que a ideia era ser um conto de terror e alguém me disse para melhorar a retórica. Talvez um professor, ou foi um conhecido chamado James, talvez Deus...quem sabe.
O Funeral
Seguia uma
aglomeração. As pessoas passando pelas praças, pelas portas, pelo padre,
aproximando-se compassadamente ao cemitério. A ritualística do enterro em
contradição ao sentimento do fim do Fim. Do não querer o fim. O funeral
representa bem a necessidade humana de simbolizar, de publicar à todos e à
Deus. A morte, temida, clássica, tão relativizada e conceituada, desprezada e
superestimada, amada, assassinada; o Funeral, em sentido amplo, temido por alguns, adorado por
outros, mas respeitado por todos.
A Paróquia
acabara de criar o programa contra violência doméstica e ali estavam as rosas
brancas no esquife, simbologia para todas e todos que partiram desta vida para
os braços do Pai em razão do erro agressivo e assassino de seus entes.
E ela esperou
todos irem... Talvez não. Decaída, estava lá por não conseguir andar. Seu lenço
de bordado inconfundível, molhado com a água e o sal produzidos por seu corpo.
Seu corpo... Seu corpo seria confundido por qualquer anjo que observasse de cima das
nuvens, convenientemente cor de cinzas, com os cadáveres daquela montanha. Os
corvos estariam cometendo erro escusável se dali para o mundo dos mortos
levasse a alma daquela garota. Talvez sua estadia mórbida de horas imaginando o
cadáver ali enterrado no esquife sem mogno, sem ouro, sem marfim ou seda,
revelasse essa vontade. É realmente uma pena que os corvos trabalhem bem.
O padrasto
havia matado a mãe com uma facada no pescoço, certeira e única, como que agraciado
pelo divino por tentar tão belo golpe contra sua amada. Bêbado e drogado, mas
realmente desejando aquilo, em tamanha potência que alguns demônios sentiriam
pena, e os restantes se curvariam. Ela abraçou as rosas entre as pernas e sob
sua cabeça. A coruja, conhecedora do seu lar, observava uma sombra ainda que na
escuridão, ainda que no pouco contraste com a terra lavada pela chuva:
"Levante, vamos para casa".
"Bom
dia, meu amor". Um beijo. Uma cama. Uma casa. Uma vida? Nada era dela.
Estranhou como tudo era alegre e ordeiro, inesperado devido aos últimos eventos,
e ao acordar percebeu em sua memória um mês em um mundo que não era seu. "Bom dia,
meu amor". "Cheguei". Era a vida perfeita para ela.
Sua irmã
lhe fez uma visita e enquanto preparava almoço ela viu que conversava com o
homem. Tentou ao longe ler entre os lábios deles o que saía de um para outro,
pois nunca haviam demonstrado tamanha proximidade, mas eram os olhos deles que falavam
mais. Ela viu alguma coisa, entendeu como sensações, não quis pensar
sentimentos. Algumas horas de conversa. Ela foi embora.
Um mês no
seu mundo em que tudo era bom, mas no dia seguinte ele não voltou. E sim, ela
esperou. Esperou incondicionalmente. Mas não resistiu, não perderia perder
aquilo tão fácil. Apanhou uma faca. O céu se abriu para que a lua refletisse em
seus olhos, forçando os músculos ciliares, contraídos pelo ódio, relaxarem e
deixarem cair a lágrima da vingança. Foi à casa da irmã única. Estava dormindo.
Num só golpe desenhou a morte ao pescoço dela. Deixou seu lenço. Devagar, saiu
da casa, foi para o cemitério, escondeu-se com a ajuda de sua amiga coruja e por
horas esperou.
A
aglomeração estava lá. O mesmo ritual, o mesmo símbolo. Esperou todos irem
embora. Esperou a noite. Viu as rosas brancas e abriu um sorriso. Não, não
havia matado por ciúme. É que ela precisava das rosas. Abraçou-as como
abraçaria o amor em objeto, com fé, esperança! Foi quando o céu riu e ele não
apareceu. Decaía-se novamente, a chuva queimava seu cabelo e ela pôs a cabeça
entre as pernas como da outra vez. Por Deus, era a mesma vez. "Levante, vamos
para casa", a irmã a ajudava a levantar.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAbraçou-as "objetivando" o amor, com fé, esperança!
ResponderExcluir[Só reforçando o sentido da palavra, rs]
você sabe que essa foi pra você haha
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